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Se a missão continua, por que os dons cessariam?

 


Se a missão continua, por que os dons cessariam?

Talvez você já tenha ouvido o argumento: "Os dons extraordinários eram necessários enquanto a Bíblia estava sendo escrita. Agora que temos o cânon completo, eles não são mais necessários." À primeira vista, parece lógico. Mas essa conclusão resiste a um exame mais criterioso das Escrituras?

A questão não é se Paulo, Pedro ou os apóstolos operaram milagres - até os cessacionistas mais conservadores concordam com isso. O debate real está em outro lugar: será que essas manifestações pararam quando o último apóstolo morreu? E mais importante: existe fundamento bíblico para essa cessação?

O propósito dos "carismas"

Quando examinamos toda a narrativa bíblica, descobrimos um padrão: sempre que Deus confiou missões importantes ao seu povo, Ele também providenciou capacitação sobrenatural para cumpri-las. Não foi diferente no Antigo Testamento. Moisés recebeu poder para realizar sinais diante de Faraó. Os juízes eram revestidos do Espírito para libertar Israel. Os profetas operavam milagres que confirmavam sua mensagem.

O próprio Jesus iniciou seu ministério proclamando: "O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar os pobres" (Lucas 4:18). Se o Filho de Deus encarnado necessitou dessa unção para realizar sua obra terrena, quanto mais nós? Pedro compreendeu isso perfeitamente ao declarar que "Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e poder" (Atos 10:38).

Até mesmo antes de Pentecostes, os discípulos já experimentavam alguma medida do poder do Espírito. Jesus os enviou para pregar, curar enfermos e expulsar demônios (Lucas 9:1-6; 10:1-17). Mas havia algo de provisório nessa experiência, uma espécie de medida limitada, conforme sugere João 3:34. A obra de Deus jamais pôde ser realizada através de esforços meramente humanos.

Pentecostes e a "virada de chave"

O dia de Pentecostes marcou uma mudança radical. Ali aconteceu algo que alterou permanentemente a forma como o Espírito operaria. Os discípulos receberam o revestimento de poder que Jesus havia prometido - eles seriam suas testemunhas, mas somente depois de receberem poder do alto (Atos 1:8).

Qual foi exatamente a novidade? Não foi a natureza dos carismas, pois eles sempre existiram. Não foi o propósito, que sempre foi capacitar para a missão. A grande transformação foi na distribuição: de seletiva para universal. E a razão é simples - a missão foi universalizada.

A Grande Comissão não foi confiada apenas aos onze apóstolos naquele monte na Galileia. Foi deixada como legado permanente para cada geração de seguidores de Jesus. Pedro captou perfeitamente essa realidade quando, citando o profeta Joel, declarou que a promessa alcançaria "vossos filhos, e todos os que estão longe - tantos quantos Deus, nosso Senhor, chamar" (Atos 2:39).

Evidências históricas

A história da igreja primitiva desafia a tese cessacionista. Irineu de Lyon, que viveu entre 130 e 202 d.C., foi discípulo de Policarpo, que por sua vez foi discípulo direto do apóstolo João. Em seus escritos, Irineu afirmou que em sua época muitos cristãos falavam línguas estranhas pelo Espírito e manifestavam diversos dons, inclusive profecia.¹

Justino Mártir (100-165 d.C.) também mencionou manifestações dos dons espirituais em seus dias, incluindo o dom de línguas. Orígenes (185-254 d.C.), renomado teólogo, declarou que os carismas eram fato notório em sua época.²

O estudioso Ronald Kydd, em sua obra "A Continuidade dos Dons Espirituais na Igreja Primitiva", examinou cuidadosamente fontes literárias do período pós-apostólico como a Didaquê, os escritos de Tertuliano e outros documentos patrísticos. Sua pesquisa demonstra que as manifestações carismáticas não desapareceram com a morte dos apóstolos.³

Ao longo dos séculos, movimentos de avivamento sempre foram acompanhados de manifestações sobrenaturais. Os valdenses na Idade Média, Lutero e os anabaptistas na Reforma, os huguenotes na França - todos relataram experiências com dons espirituais.⁴ A história não sustenta a narrativa de uma cessação súbita e completa.

A lógica escriturística

Gordon Fee, considerado um erudito bíblico do movimento pentecostal moderno, dedicou décadas ao estudo rigoroso das Escrituras. Embora tenha questionado algumas interpretações pentecostais tradicionais, Fee sempre defendeu biblicamente a continuidade dos carismas. Em suas obras, especialmente seu comentário sobre 1 Coríntios, ele demonstra que os dons permanecem necessários enquanto a igreja estiver cumprindo sua missão.⁵

Wayne Grudem, escreveu uma das melhores obras contemporâneas sobre o exercício da profecia na igreja de hoje. Sua posição representa uma mudança significativa: cada vez mais estudiosos bíblicos não-pentecostais reconhecem que a evidência escriturística favorece a continuidade.⁶

A lógica é simples e profundamente bíblica: se Jesus precisou de unção para ministrar, nós também precisamos. Se os apóstolos necessitaram de poder para testemunhar, nós igualmente necessitamos. Se os profetas do Antigo Testamento dependeram de carismas para suas missões, a igreja contemporânea não pode ser diferente.

O perigo do pragmatismo espiritual

Alguns argumentam que os abusos no meio carismático provam que os dons genuínos cessaram. Esse raciocínio é falho. Jesus ensinou na parábola do joio e do trigo que o falso e o verdadeiro coexistirão até a colheita (Mateus 13:24-30). A existência de falsificações não nega a realidade do verdadeiro - na verdade, confirma sua existência.

Outros sugerem que com melhores técnicas de pregação, estratégias de crescimento de igreja e treinamento pastoral, não precisamos mais dos carismas. Mas isso equivale a dizer que o avanço humano tornou obsoleto o poder divino. Será mesmo que desenvolvimento intelectual substitui capacitação sobrenatural?

A igreja contemporânea enfrenta desafios que transcendem completamente nossas capacidades naturais. Bilhões de pessoas ainda não foram alcançadas com o evangelho. Fortalezas espirituais dominam cada cidade. A oposição ao cristianismo se intensifica globalmente. Diante dessa realidade, aposentar os dons espirituais seria um suicídio missiológico.

Voltando ao fundamento

Paulo escreveu aos coríntios: "De maneira que nenhum dom vos falta, esperando a manifestação de nosso Senhor Jesus Cristo" (1 Coríntios 1:7). Ele também declarou que os dons permanecerão até que "venha o que é perfeito" (1 Coríntios 13:10). O contexto indica claramente que "o perfeito" não é o cânon fechado, mas a consumação da redenção quando virmos Cristo face a face.

Em nenhum lugar as Escrituras ensinam que os carismas seriam retirados após a era apostólica. Pelo contrário, Joel profetizou um derramamento do Espírito sobre toda carne "nos últimos dias" (Joel 2:28), profecia que Pedro aplicou ao período iniciado em Pentecostes e que se estende até a volta de Cristo (Atos 2:17-18).

A pergunta permanece provocativa: se a missão continua, por que os dons cessariam? A mesma tarefa que tornou indispensável o poder do Espírito no primeiro século continua diante de nós no século XXI. Defender a continuidade das manifestações carismáticas não é apegar-se a experiências emocionais. É reconhecer que a igreja precisa da mesma capacitação que sempre foi necessária para cumprir missões impossíveis.

O desafio é claro: estamos preparando a próxima geração para depender do Espírito ou apenas de competências humanas? A resposta a essa pergunta determinará não apenas nossa pneumatologia, mas a eficácia de nosso testemunho no mundo.


Referências

¹ GILBERTO, Antonio. Os Avivamentos Através da História. Disponível em: https://pentecostalismo.wordpress.com/2007/12/19/os-avivamentos-atraves-da-historia/. Acesso em: nov. 2025.

² Ibidem.

³ KYDD, Ronald A. N. A Continuidade dos Dons Espirituais na Igreja Primitiva. São Paulo: CPAD, 2021.

⁴ GILBERTO, Antonio. Op. cit.

⁵ FEE, Gordon D. The First Epistle to the Corinthians. Grand Rapids: Eerdmans Publishing, 1987; SIQUEIRA, Gutierres Fernandes. "A divisão 'tradicionais' e 'pentecostais' ainda faz sentido?". Teologia Pentecostal, maio 2011. Disponível em: https://teologiapentecostalcom.wordpress.com. Acesso em: nov. 2025.

⁶ Ibidem.

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